terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Pêndulo


Era pra ser um dia comum. Depois de uma terrível noite insone, ele tomou um café preto, sem açúcar, amargo como a segunda-feira-pós-derrota do seu time, despediu-se do avô e embrenhou-se no trânsito desafiando o tempo e o espaço.

Chegou ao trabalho atrasado e uma pilha de demandas o esperava, milhões de vozes sussurravam agilidade e inovação. Mas, aos poucos ele viu que não se tratava de um dia qualquer. Era um dia de ventania, de umidade 99%, os cobradores não o ligaram, as demandas esvaziavam-se cada vez mais rápido, a chefe lhe sorria sem parar e perguntava-lhe números avulsos antes do jogo que estava fazendo na mega sena, a copeira lhe pediu conselhos amorosos, foi-lhe prometido o cargo de conselheiro geral com um pomposo salário.

Sim, ele estava com a boca abençoada! Tudo, simplesmente tudo que falava, acontecia. Há quem diga que esse fenômeno raríssimo acontece há cada 300 milhões de anos, e pela primeira vez aconteceu. Um profeta pós-moderno, em meio a uma repartição pública. Dias antes, um hippie havia anunciado a chegada dele, não lhe deram ouvidos, mas o sinal seria percebido por todos.

O encanto acabaria apenas quando fizesse uma profecia para sua própria vida, e não demorou muito. A mais falante da repartição indagou sobre àquela garota de quem ele tanto falava, ele disparou sem pausa: “Vamos ficar juntos!”

As impossibilidades eram enormes: a moçoila era casada, tinha um filho, vinha com o acompanhamento de uma sogra horrivelmente chata, ele gostava de samba ela de tango, ele era curintia e ela parmera.

Passa-se uma semana, e a chefe liga dos Emirados Árabes, anunciando sua desfiliação da equipe, afinal, ela havia ganhado na mega sena, a copeira também chegou para despedir-se, havia conhecido um gringo na rua e estava de partida pra zoropa.

E o nosso herói estava com sua amada, a nem tão amada assim sogra, escutando tango, catando piolho de menino alheio e dormindo na coxa verde e branca do palestra Itália. Usando Renato Russo: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”

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