terça-feira, 1 de novembro de 2011

Perigo à vista


Uma menina num jardim fotografa girassóis com cheiro de jasmim. Em sua memória, a imagem de um móbile de peixes, que ela fotografou ontem, na casa de um amigo seu. Ela tenta ilustrar algo que não tem nome. Se o amor existe, afinal, qual é a sua cor? Sua forma e textura? Se não tem nome, será mesmo que existe? Se não existe, o que existe, então? Aquelas flores bem que poderiam ser jasmins disfarçados de girassóis. E aqueles peixes... ah, se fossem pas-as-ri-nhos! Se é amor, pode ter nome, cor e forma que a imaginação permitir. E pode se alterar com os dias... Crescer, se intimidar, ficar de longe e criar uma saudade só para ter o gostinho do reencontro. Pode ir embora só para forçar um beijo mais forte de despedida. E, na noite do dia seguinte, ele vai perguntar: como foi seu dia hoje? Ela vai falar que fez fotos de nove balões voando. Uma parte é mentira, a outra é um convite para voarem juntos. Quando perguntar sobre o dia dele, ele vai falar de política e economia só para calcular, do jeito certo, um sentimento que dispensa cifras e regras. 

[...]

Quando ele abriu os olhos, ela já estava com a mão na chave quase ligando o carro. Ele demorou a voltar ao mundo real e notar que o cheiro de jasmim vinha de um canteiro miúdo e não daquele jardim para o qual foi transportado enquanto a beijava. Tocava qualquer música do Queen, que também podia ser Beatles, The Doors ou Led Zeppelin. E foi apenas um drink de morango com abacaxi, meio sem açúcar, com uma vodka meio aguada, que a fez fechar os olhos e se deixar bailar, enquanto ele brincava com os cabelos e tentava lembrar o nome da música. E ela foi capaz de passar o dia inteirinho lembrando o segundo em que aqueles lábios se tocaram pela primeira vez. “Tudo está nos olhos” – ele pensava. Mesmo sendo capaz de evitar prováveis mal-entendidos (mesmo lembrando que: o que atrapalha um relacionamento é o anterior), ela soube: está tudo perdido. Tentou transverter tudo em literatura para ver se aquele sentimento se imprimia e fugia por entre os dedos e seguia para o mundo da terceira pessoa, daqueles que vão e não voltam nunca mais, até serem reencontrados, por acaso, na gaveta do esquecimento. Mas, o máximo que conseguiu foi traçar algumas poucas linhas em que “ele” e “ela” são os mesmos, com a simples ilusão de que é capaz de dividir, decifrar e decidir. 

*da série de inacabadas. 

Um comentário:

  1. Tu escreves muito bem. Gostei daqui.

    Tô seguindo.

    Se puder passa no meu e segue, vai ser muito bem-vinda!
    http://leilakruger.blogspot.com

    Bjo!

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